12 de novembro de 2007

prazer

"Não ponha o som em cima da cama", diz a mãe ao filho, e isso, bem pesadas as palavras, é tão esdrúxulo como se dissesse: "Tire o vento de cima do travesseiro" ou "Guarde a claridade no armário". Palavras de Roberto Pompeu de Toledo, em excelente ensaio à Revista Veja, a respeito da suposta perda de nossa capacidade de dar bons nomes às coisas - aqui, ele critica a pobreza criativa de quem batizou o aparelho de som. Eu gosto de nomear tudo aquilo por que tenho apreço - tenho até bicicleta com substantivo próprio. Se a regra é válida para objetos, imagine para pessoas. O jardineiro do condomínio. O cobrador do ônibus. Aquela senhora que ocupou o assento ao lado no avião, atrapalhou nossa leitura puxando assunto e com quem, apesar do desconforto inicial, travamos uma das conversas mais interessantes de nossas vidas. Nunca mais a veremos mas, prazer. Mais do que boas ações, gentilezas são alternativas para viver bem em meio ao caos urbano e, como tudo na vida, voltam para quem as originou. Tratando os outros tão gentilmente quanto gostaríamos de ser tratados, criamos um círculo virtuoso ao nosso redor, e o resultado é um conjunto de relações mais humanizadas. Em larga escala, uma sociedade melhor. Ghandi falou que temos que ser a transformação que desejamos para o mundo. Ele sabe o que diz. Apresentações são muito simpáticas, embora nem sempre sejam necessárias. Imagine se, chegando a um posto de gasolina, fosse comum o motorista dizer um olá, qual o seu nome? Fulano, muito prazer, eu sou o Sicrano e, entregando as chaves do carro, abastece vinte da aditivada, por favor. Pobre frentista que, ao final do dia, além de estar zonzo, não conseguiria lembrar o nome da imensa maioria, ficando bastante propenso a cometer uma gafe no seu próximo pit stop. Claro, isso só vale para os lugares onde você não é assíduo. Para todos os outros: nome, prazer. Na primeira vez em que você venceu o medo, enfrentou um auditório lotado e conseguiu falar em público, foi apresentada a uma nova pessoa: você mesma, versão 2.0. Aquele seu amigo de infância, que tem uma justificada fama de ser intransigente e seguro de si, quebrou o gelo e, numa atitude inédita, perguntou sua opinião antes de comprar um carro - logo você, que não entende nada de mecânica. Sua prima, depois de anos sofrendo por um zinho que só a enrolava, resolveu dar a volta por cima. Deu um chega-pra-lá no malandro, mudou o visual e voltou às aulas de dança. Muito prazer. Há um ditado que diz ser impossível entrar no mesmo rio por duas vezes. Isso porque, a cada instante, nos tornamos diferentes do que fomos até então. Caso você seja uma exceção e - pobre de você - consiga manter-se sempre o mesmo, não adianta declarar vitória sobre a sabedoria popular, pois quem mudou foi o rio. A água nunca cessa de correr. A propósito: Márcia, muito prazer.