29 de janeiro de 2008

rosa relax


Minha mãe me disse, algumas tias disseram, a Martha Medeiros falou também: com o passar do tempo, a gente relaxa. Concordo. Situações que há alguns anos me fariam perder o sono por sei lá, um mês inteiro, hoje até recebem alguma parcela do meu tempo, faço o que é possível. Depois desencano, está feito. Ficou para trás o tempo em que fofocas de escritório tomavam dimensões de malignas conspirações. Às vezes realmente são, mas relaxa, não passa de gente desocupada falando de quem dá o que falar. Uma gafe cometida em momento inoportuno, daquelas que nos fazem sentir as últimas criaturas em inteligência sobre a Terra, está dita. Fazer o quê? O que é verdadeiramente merecedor de atenção sim, pode dispor de tempo, o eldorado de hoje em dia. Ficamos relax, não negligentes. Pelo menos com as preocupações, nos tornamos mais seletivas. Ah, que alívio. Das banalidades que mais pegam o pé, tenho certeza que você concorda, há uma em especial que faz todo mundo perder o rebolado. Opinião alheia. Não tem que não se importe, pelo menos um pouquinho. O que meu chefe vai pensar?, e aquele cara da outra noite?, minhas amigas morrem se souberem disto. Muitas vezes, agimos ou pensamos de acordo com o que achamos que os outros pensam de nós. Confuso? É, nem me fale. Quem diz não dar a mínima, está querendo provar pra todo mundo que não precisa provar nada pra ninguém. Renato Russo sabia das coisas. Até algum tempo atrás, eu fazia questão de uma aparência mais descuidada. Sempre tive um certo receio de que o rosa, a cor - e toda a carga cultural que vem agregada a ela - pudesse me dar uma aparência fragilizada, de mulherzinha. Melhor não usar salto, nada de florzinhas ou de chorar em público. Logo eu, que choro até em comercial de margarina. Agüentar a dor no osso, por que eu tenho a força. Patavina. No fundo, admiro as delicadas, acho-as uma graça. A impressão que eu tinha era a de que as muito feminis dão bandeira de que estão atrás de uma coisa. De quê? De homem, oras. E conheço dezenas de mulheres assim, afligidas pelo tormento de não dar na cara, desdenhando aquilo que querem comprar e deixando a vaidade para quem supostamente não tem muita coisa na cabeça além de strass. É como se existisse uma partição: as róseas e femininas, dissimuladas caçadoras, e as despojadas feministas que querem independência. Queremos mesmo, quem é que prescinde disso? Mas não se disfarça mais esse jogo. Relaxemos, girls. E queiramos o caminho do meio. Flower Power, versão 2008. Admito, toda essa estória é porque estou ficando fresca. Fui mordida por algum inseto rosa choque. Algumas amigas, admiradas, comentam o quanto estão se sentindo orgulhosas de mim. Mas não sou eu, gurias, é o mosquito, é o mosquito! Pode ser que amanhã a febre rosa tenha passado e eu acorde louca de vontade de usar coturnos. Se acontecer, marcharei. Mas que o salto alto anda fazendo com que eu me sinta mais bonitinha (e nem um pouco menos inteligente) ah, isso anda.

5 de janeiro de 2008

feliz outro novo

Os outros esperam alguma coisa da gente. Que sejamos deste ou daquele jeito, que nossas reações sejam assim e nossas paixões, assado. Os outros têm uma opinião a nosso respeito e, com base nessa tal opinião, criam uma expectativa. Se em algum momento de nossas existências fomos engraçados, espirituosos e populares, os outros não nos pouparão de sua desilusão se então optarmos pelo ostracismo. Estaríamos partindo suas expectativas ao meio, e ninguém gosta de ser desapontado. É como se existisse um pré-acordo: não os decepcione, e farão o mesmo por você. Posso ser bem decepcionante, uma vez que é muito improvável que eu seja exatamente quem os outros esperam. Pelo menos, não durante todo o tempo. Tenho altos, baixos e lateralidades, como todo mundo. Enquanto tudo se encaminha para que eu me torne uma executiva de sucesso, é possível que eu desista de tudo e vá viver com os aborígenes na Nova Zelândia. Ou com esquimós pescadores, ou ainda com os novos yuppies em Nova York. A cada vez que conhecemos alguém, nos tornamos uma página em branco. Para esta nova pessoa, podemos nos reescrever. Ou pelo menos corrigir alguns detalhes. É assim para todo mundo: eu, você, seu chefe. Existe uma quase promessa de que seremos quem estamos apresentando. Claro que quem convive conosco diariamente se enquadra em outra categoria. Não faz parte dos outros. Quem está de fora está livre para pensar o que quiser. Caso mude de idéia, convide para entrar. A regra vale também para nós, que somos os outros dos outros. Tantas vezes imaginamos saber exatamente quem estamos conhecendo para, mais tarde, não sermos capazes de reconhecer o sujeito. Ele mudou ou mentiu? Eu que sou tantas, sei que não é possível ser sempre a mesma pessoa. Penso, logo, mudo de idéia. Mudamos com o jogo da vida - suas decepções, expectativas - e o amadurecimento que ele traz. Com as estações do ano: no verão, somos leves e matutinos. No inverno, personificamos uma antítese. E ainda somos nós. Você é uma pessoa só? Não tem contradições, dualidades? Nossa, que tédio. Perdoe a pieguice, mas aproveito ainda o clima de Ano Novo e sugiro que você seja quantos e quem quiser. Assuma os milhares que coexistem em seu corpo – a bailarina, o mecânico, a rabugenta, o libertário. A palavra de ordem dos nossos tempos deveria ser a tolerância. Para sermos capazes de praticá-la com os outros, a pratiquemos com os muitos eus que nos habitam. Tolere-os. E nem é preciso esperar pelo último dia do ano, é possível prometer, ser e mudar agora mesmo. A menos que você faça questão de esperar mais 360 dias.
Feliz outro novo para você.