10 de março de 2010

pra sair

Caríssimos, esse texto é de 08 de janeiro de 2008, e as reportagens a que ele se refere naturalmente são dessa data, ok?




Leio, estupefata, uma pesquisa publicada pela Revista Veja onde os entrevistados eram questionados se, diante da onda de violência que enfrentamos hoje, seriam favoráveis à prática de tortura por parte da polícia. Inacreditáveis 54% dos entrevistados responderam que apóiam essa rotina. Eu, antes de ler o resultado, já ficaria revoltada com a simples de idéia de se fazer uma pergunta dessas. E não é que não escutei eco algum?
Dizem que o brasileiro sofre de amnésia. E talvez estejamos mesmo sofrendo de algum problema relativo à perda da memória recente, pois me parece que estamos completamente esquecidos dos horrores por que esse país passou durante a ditadura – nossos anos de chumbo, que hoje alguns ainda enxergam com um romantismo improcedente, quase indecente. Que me perdoem os mais romanescos, mas eu não vejo lirismo nenhum em morrer numa prisão, completamente sozinho, depois de haver passado meses sofrendo toda sorte de abusos físicos e psicológicos para, então, ser despejado em uma vala comum. Se não há corpo, não há crime. Portanto, não temos um assassinato, mas sim um desaparecimento. Romantismo puro.
Naquela época, por acreditar que se tratava de uma questão de segurança nacional, a opinião pública apoiou a caça aos subversivos. Até o momento em que o DOPS começou a levar embora seus filhos, irmãos e amigos; muitos, ainda hoje "desaparecidos". Dentre esses presos, alguns eram ativistas de fato, mas muitos eram grandes equívocos. A História mostra que o nome da Lei que vigora nas caças-às-bruxas é Paranoia.
Então eis que surge, menos de cinqüenta anos depois, um certo Capitão Nascimento, se erigindo como novo herói brasileiro. Um homem em pânico, fruto de uma situação histérica, que tem na tortura uma ferramenta de trabalho, tal qual um açougueiro precisa de seu facão. E a sociedade o adora, repete incansavelmente seus jargões engraçadinhos. O que, a meu ver, revela uma atitude favorável da opinião pública no que diz respeito à prática de tortura, por parte da polícia, na obtenção de informações úteis no combate ao tráfico de drogas nas favelas. Questão de segurança nacional. Fez a ligação entre os fatos?
Hoje, soldados sobem o morro para descer o cacetete nos moradores e usuário de drogas que eventualmente estejam por lá. Caso isso se torne uma prática de aceitação mais popular, é o que vai acontecer com você, toda vez em que estiver no lugar certo, na hora errada. Tem gosto de censura, mas é apenas um mal necessário, um remédio de sabor amargo. Não é? A tal pesquisa diz que sim.
Quem leu os jornais dessa semana ficou sabendo. Um grupo de garotos inocentes, sem nenhuma passagem pela polícia, foi covardemente torturado por um grupo de policiais em Flores da Cunha, interior da Serra Gaúcha. Tiveram suas cabeças cobertas por sacos plásticos e um deles chegou a ser empalado com um cabo de vassoura, enquanto as nobres autoridades chamavam-se por codinomes, zero um, zero dois, zero seis. Você já viu essa cena em algum lugar? Pois está acontecendo ao lado das nossas casas.
Se esses 54% dos entrevistados pela revista pensarem mais um pouco sobre o assunto e decidirem que preferem isso mesmo, eu não falo mais nada.
Aliás, falo só mais uma coisa: eu peço pra sair.