29 de dezembro de 2008

crônica pascalina escrita no natal

Era uma vez três princesas ao redor da mesa. Uma solteira, uma casada e uma divorciada. Duplamente divorciada. A Quilmes estava bem gelada, o que facilitava a risada e a conversação que versava da alta à baixa filosofia. Aviso de antemão que a alta ficará de fora desta crônica. No que concerne à baixa, basta que você já tenha bebido cerveja enquanto conversava alguma vez na vida: falar da vida alheia, da novela ou do futebol. De sexo. O seu e o oposto. A esse respeito, a casada diz que até tem alguma sorte e a divorciada, que o amor é uma doença. Mas aquela que ainda não casou mostra-se inconformada. Como assim, sorte e doença? Com ar de desafio, questiona: e os casais que eu vejo dando certo? O instante seguinte foi de silêncio, enquanto as outras duas, atordoadas, a fitam com incredulidade: o quê, você acredita no Príncipe Encantado? Envergonhada, a solteira baixa o olhar, na tentativa de esquivar-se do olhar da perplexidade de suas amigas, mas acaba admitindo sua indecência: é, eu acredito. As outras duas entreolham-se, e o balançar negativo de suas cabeças dispensa palavras para dar o veredicto: coitada.

Griladas, as princesinhas modernas acreditam em Papai Noel. Em Príncipe Encantado, não. Sinal dos novos tempos, onde quase tudo é descartável – comprou, não gostou, levou no Procon. Usou, cansou, devolveu. Mas ali, em torno daquela mesa, havia uma dissidente.
Aconteceu mais ou menos assim: madrugada entre o Sábado de Aleluia e a Páscoa. Ela acordou precisando ir ao banheiro. Lembrou das recomendações da mãe, para que não saísse do quarto até que o dia raiasse, afim de não espantar o Coelhinho. Naturalmente, aquela situação caracterizava uma emergência, e o Coelhinho que entendesse. Quem provavelmente não entenderia era sua irmã mais jovem, que dormia profundamente na cama ao lado e não a perdoaria sob circunstância alguma caso sua cestinha amanhecesse vazia por causa de uma imprudência da primogênita. Mas era uma emergência, fazer o quê?
Levantou, o mais silenciosamente possível, e foi pé por pé até o banheiro. Saindo de lá, percebeu uma luz acesa na sala. "Céus, a mamãe esqueceu de apagar a luz! Vai espantar o Coelhinho!" Determinada a salvar a tradicional caça-ao-chocolate das manhãs de Páscoa, ela esgueirou-se pelo corredor. O interruptor estava próximo, agora. Bastava esticar-se um pouquinho mais e... Não acredito! Mamãe? O que você está fazendo agachada aí, com esse pote de farinha na mão? Pegadas em forma de patas de coelho? Mas... não era o próprio Coelhinho quem deveria deixá-las aí pelo chão, não? O quê, você é ajudante dele? Ah, mãe, conta outra! Eu já tenho sete anos, você não acha que vou cair nessa, né? Você vai querer me convencer de que é ajudante do Papai Noel, também? Fala, pode falar que eu agüento! Sim, eu prometo que não falo nada pra mana. Pro-me-to, já falei. Eles não existem, né? Affff, tudo bem. É o espírito que conta, entendi. Não, não se preocupe, eu estou bem. Vou voltar pra cama antes que a mana perceba. Não queremos estragar a Páscoa dela, não é mesmo? Tudo bem mãe, um dia eu ia acabar descobrindo, foi melhor assim - pelo menos, quem me contou foi você. Também te amo. Boa noite.
Mas ela não pôde dormir. Em tão tenra idade, sofria sua primeira noite de insônia causada por um turbilhão de pensamentos. A primeira de muitas e, dentro de algum tempo, viria a descobrir o significado de "Penso. Logo, não durmo". Revirou-se na cama, sentindo-se perseguida por uma questão que havia faltado fazer à mãe. Percebendo que não conseguiria descansar enquanto a dúvida a perseguisse, decidiu levantar-se novamente. A luz da sala estava apagada, o que significava que a mãe já havia terminado suas funções como ajudante de Coelho da Páscoa e ido dormir. Mas não dava para esperar. Caminhou até o quarto onde a genitora descansava de seus afazeres, serenamente. A garota não sentiu pena. Mamãe? Mamãe acorda, por favor. Não, não estou com dor de barriga, estou sem sono. Não consigo mais dormir por causa do que aconteceu hoje. Preciso de ajuda. Você está bem acordada? Vendo que a mãe estava agora totalmente desperta e sentada na cama a fitar a filha, ela prosseguiu: é muito sério. Eu entendi que o Coelhinho não existe, que o Papai Noel não existe, falei que estava tudo bem e realmente está. O que eu preciso saber mamãe, é muito mais importante que o espírito natalino. Percebendo o medo da resposta que estava prestes a escutar, sentiu um nó na garganta, mas tomada pela coragem que só temos aos sete anos, prosseguiu: ele também não existe, mamãe? O Príncipe Encantado também não existe?
A menina cresceu, virou princesa e foi pro bar beber Quilmes com as amigas. O resto você já sabe.

3 de dezembro de 2008

carta de despedida

Você precisa ir embora. Não, por favor, sem lágrimas. Eu também amo você, mas precisamos ter maturidade para saber quando não dá mais. Sempre soubemos que esse dia chegaria. Chegou. Sejamos adultos.
Durante esse período, fomos felizes, não fomos? Você e eu. No primeiro dia do ano, fomos assistir juntos ao nascer do sol. É verdade que peguei no sono e acordei com o sol a pino, mas o importante é que estávamos unidos. Tínhamos tudo pela frente, esperança e possibilidade. Aproveitamos cada um dos segundos a que tivemos direito, ao som das ondas do mar.
Passamos noites maravilhosas em claro. Rolamos na cama, lambuzados da alegria em termos um ao outro, em sermos donos daqueles momentos únicos. Acredite, foram únicos sim. Jamais esquecerei o que vivemos: eu vinha seguindo por um caminho que não me faria feliz, e foi ao seu lado que percebi o quanto era urgente modificar meu rumo. Você nunca me negou apoio. Pelo contrário, você foi meu propulsor, meu amante e meu ombro amigo nos raros momentos em que quase fraquejei.
Sim, concordo que estou sendo egoísta, mas você sabe que não pode vir comigo. É preciso seguir em frente – você me fez mulher, mas não foi o primeiro, e, felizmente pra mim, não será o último.
Nós dois temos muitas coisas em comum; sem dúvida que a fome de rodar o mundo é a maior delas. Decidimos que iríamos embora desse lugar juntos, munidos apenas da coragem com que, então, nosso amor nos alimentava. Fizemos planos. Foi numa manhã de março, lembra? Naquele dia fez sol, choveu forte e depois surgiu um arco-íris, que acreditamos ser um bom presságio. Cumprimos com tudo o que combinamos - preparamos-nos a contento, traçamos metas realistas e também contamos com a sorte. Embora eu tenha desejado profundamente realizar esse sonho ao seu lado, percebo agora o que é que essa tal sorte reservara-me de fato: eu vou com outro e não com você.
Passamos por uns maus bocados também. Depois de abril, as coisas ficaram pesadas para o nosso lado. Havia muito que fazer, tivemos que correr como loucos para que nossos planos se concretizassem. Dividimos-nos entre dezenas de tarefas simultâneas, por causa dessa nossa vontade de fazer tudo em conjunto. Quase conseguimos, não é mesmo? Se hoje é preciso adiar nosso projeto por um breve período, não é nossa culpa, embora seja por causa dessa fatalidade que não poderemos permanecer juntos enquanto eu cruzo a linha. Dentro de alguns dias, você será passado e eu não olharei para trás, levando comigo somente as coisas boas.
Eu sinto muito orgulho de você. E sei que você também se orgulha de mim. Juntos, ascendemos ao topo do pódio. Mais de uma vez. Demos risada, pegamos a estrada, dançamos até que os joelhos doessem. Falamos sobre tudo enquanto tomamos alguns porres, embriagados de amor. Formamos uma grande dupla. Bom trabalho, meu querido. Bom trabalho.
Por favor, não pense que enfrento nossa separação sem dor nenhuma. Eu tenho sentimentos, como você sabe tão bem. Está doendo um pouco. É muito difícil abandonar quem me fez tamanhamente feliz, quem me mostrou como usar a força interior que eu sempre tive, mas que não utilizava de todo porque vinha guardando para quando precisasse. Você me ensinou que quanto mais a uso, mais forte me torno. Por isso, e por tantas outras coisas inesquecíveis, te amarei infinita e indefinidamente. Muito, muito obrigada por tudo.
Adeus, 2008. Foi incrivelmente bom, enquanto durou.