Iara vai casar.
Era uma vez dois colegas de escola. Aos dezessete, já haviam trocado aneizinhos de plaquê ao som de rimas fáceis, calafrios, fura o dedo, faz um pacto comigo. Talvez seja uma pena que nos tornemos tão pragmáticos, mas a verdade é que, salvo alguns iluminados que já nascem com a vocação brilhando forte em suas testas, ninguém dessa idade sabe o que vai fazer com o resto de sua vida. Você sabia? Te invejo.Nove anos depois, Iara vai casar. Flores, fitas e babados flutuam pelos ares dando o tom da ocasião enquanto mulheres estabanadas se alvoroçam em torno dela, tirando uma provinha do momento mágico alheio - afinal, casar é a coisa mais feminina que existe. A alegria reina sobre todas, exceto a protagonista. Iara está infeliz. E noiva triste é uma afronta.
Iara não faz segredo de que não gosta mais do noivo. Seu idiota, você não serve pra nada, mesmo! Mãe, cancela o buffet que não vai mais ter casamento! Vovó, devolve os presentes! Ao telefone e aos berros, ela diariamente segue o ritual de terminar tudo com ele. Já reparou que tem pessoas que só se relacionam brigando? Talvez você nunca tenha tido o azar de passar um feriado prolongado num sítio convivendo com gente assim, mas já deve ter notado que alguns casais são viciados em discutir em público. Estão sempre irritados um com o outro: tudo o que ela faz o deixa truculento, enquanto tudo o que ele diz a faz revirar os olhos com aquela expressão de affffff. Vivem trocando acusações que começam com “você sempre”, prontamente respondidas com “mas e você que nunca”. Acreditando que todas as atitudes do outro tem a intenção de lhes atingir, eles acham que o importante é ganhar a discussão, mesmo que isso signifique nunca resolver o problema que a gerou. Recentemente li Fernanda Young lamentar que é uma pena que os ouvidos não tenham pálpebras e lembro disso com frequência.Se ela se enrosca em outro cara ou se é tudo paranoia dele, não tem importância nenhuma; se o noivo é um babaca mesmo, não é o que faz a diferença, porque eles não estão se importando se isso vai terminar em divórcio ou no Linha Direta: vão casar mesmo assim. Encontrar um culpado é irrelevante quando se trata de dois adultos que não se entendem - dá nos nervos, e o ponto nevrálgico da questão é justamente esse: chega.
A relação se desgastou. Não confio em você. O amor acabou. Não superou uma traição. Não é amor. Você não é quem eu queria que você fosse. Usar o parceiro como bode expiatório é dar um tiro no próprio pé, pois se seu companheiro ficar infeliz, ele não será capaz de cuidar de você. Claro que todo mundo passa por fases turbulentas e é de se esperar que aqueles que estão por perto acabem pagando o pato; aliás, é isso mesmo que esperamos: queremos dividir o peso, ajudar a carregar, tornar a vida do outro mais leve - cuidar. Hoje estou em um relacionamento alegre e não penso em sair dele, mas se monstros como desconfiança, discussão e desrespeito povoassem o dia a dia desse convívio, eu optaria por seguir sozinha. Se existe alternativa, por que é que alguém preferiria se relacionar de forma concretamente doentia a uma vida solteira e potencialmente feliz?Gente, a Iara vai casar com um cara que ela detesta e eu não consigo entender. Cartas para a redação, por favor.
8 de abril de 2010
noiva triste
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10 de março de 2010
pra sair
Caríssimos, esse texto é de 08 de janeiro de 2008, e as reportagens a que ele se refere naturalmente são dessa data, ok?
Leio, estupefata, uma pesquisa publicada pela Revista Veja onde os entrevistados eram questionados se, diante da onda de violência que enfrentamos hoje, seriam favoráveis à prática de tortura por parte da polícia. Inacreditáveis 54% dos entrevistados responderam que apóiam essa rotina. Eu, antes de ler o resultado, já ficaria revoltada com a simples de idéia de se fazer uma pergunta dessas. E não é que não escutei eco algum?
Dizem que o brasileiro sofre de amnésia. E talvez estejamos mesmo sofrendo de algum problema relativo à perda da memória recente, pois me parece que estamos completamente esquecidos dos horrores por que esse país passou durante a ditadura – nossos anos de chumbo, que hoje alguns ainda enxergam com um romantismo improcedente, quase indecente. Que me perdoem os mais romanescos, mas eu não vejo lirismo nenhum em morrer numa prisão, completamente sozinho, depois de haver passado meses sofrendo toda sorte de abusos físicos e psicológicos para, então, ser despejado em uma vala comum. Se não há corpo, não há crime. Portanto, não temos um assassinato, mas sim um desaparecimento. Romantismo puro.
Naquela época, por acreditar que se tratava de uma questão de segurança nacional, a opinião pública apoiou a caça aos subversivos. Até o momento em que o DOPS começou a levar embora seus filhos, irmãos e amigos; muitos, ainda hoje "desaparecidos". Dentre esses presos, alguns eram ativistas de fato, mas muitos eram grandes equívocos. A História mostra que o nome da Lei que vigora nas caças-às-bruxas é Paranoia.
Então eis que surge, menos de cinqüenta anos depois, um certo Capitão Nascimento, se erigindo como novo herói brasileiro. Um homem em pânico, fruto de uma situação histérica, que tem na tortura uma ferramenta de trabalho, tal qual um açougueiro precisa de seu facão. E a sociedade o adora, repete incansavelmente seus jargões engraçadinhos. O que, a meu ver, revela uma atitude favorável da opinião pública no que diz respeito à prática de tortura, por parte da polícia, na obtenção de informações úteis no combate ao tráfico de drogas nas favelas. Questão de segurança nacional. Fez a ligação entre os fatos?
Hoje, soldados sobem o morro para descer o cacetete nos moradores e usuário de drogas que eventualmente estejam por lá. Caso isso se torne uma prática de aceitação mais popular, é o que vai acontecer com você, toda vez em que estiver no lugar certo, na hora errada. Tem gosto de censura, mas é apenas um mal necessário, um remédio de sabor amargo. Não é? A tal pesquisa diz que sim.
Quem leu os jornais dessa semana ficou sabendo. Um grupo de garotos inocentes, sem nenhuma passagem pela polícia, foi covardemente torturado por um grupo de policiais em Flores da Cunha, interior da Serra Gaúcha. Tiveram suas cabeças cobertas por sacos plásticos e um deles chegou a ser empalado com um cabo de vassoura, enquanto as nobres autoridades chamavam-se por codinomes, zero um, zero dois, zero seis. Você já viu essa cena em algum lugar? Pois está acontecendo ao lado das nossas casas.
Se esses 54% dos entrevistados pela revista pensarem mais um pouco sobre o assunto e decidirem que preferem isso mesmo, eu não falo mais nada.
Aliás, falo só mais uma coisa: eu peço pra sair.
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26 de fevereiro de 2010
mostra o pau!
Você conheceu um cara que parece feito sob encomenda, de tão seu número que é. Ou talvez nem tanto assim, mas cairá como uma luva após alguns ajustes. Ô moça, aceita cartão? Então pode embrulhar, vou levar este aqui para casa. E você espalha o regalo sobre a cama, experimenta tudo de novo e, vendo como lhe cai bem, conclui que realmente fez boa compra. Mas, após algumas semanas de uso, descobre um defeito que não veio escrito na etiqueta. Não contei antes, o cara te diz, mas eu estou noivo.
Supondo sanidade mental, prefiro pensar que ninguém gostaria de se envolver com um homem comprometido. Politicamente correto? Sim, mas não só isso. Já falei sobre amantes uma vez, são bastante patéticas. Homem casado, só se for meu marido. Mas aí você acabou de descobrir que o seu príncipe tem outra e que, na verdade, a outra é você. Suas amigas te dizem que "É uma cilada! Caia fora e não dê chance de apelação!", e você sabe que elas tem razão. Mas a verdade é que você está apaixonada e se perguntando "Como que é que vai ser agora?" Para quem está de fora, a resposta é óbvia. Quando você estava de fora, também era. Coisas do coração, a gente fica meio besta mesmo.
Ainda tem a mau-caratice de vocês dois. Sim, sua também. Agora que você sabe, é cúmplice. Logo você, que sempre foi tão boazinha, dizendo que nunca se meteria numa enrascada dessas. Markus Zusak falou de coisas que provam o quanto o ser humano é contraditório. Nas palavras dele, um punhado de bem, um punhado de mal. É só misturar com água. Talvez demore um pouquinho, mas se você for uma boa pessoa, vai acabar saindo dessa mistura nem um pouco fina.
Rabo preso, todo mundo tem. Se parássemos para pensar em quem somos nós para dizer alguma coisa, ninguém falaria mais nada. Claro que hipocrisia está por fora, mas somente a intencional. A verdade é que há momentos em que somos hipócritas sem querer, capturados em alguma armadilha que se escondia por trás das nossas melhores intenções. O nome disso é ironia. E era aqui que eu queria chegar: omissão não leva medalha, não.
Há quem esconda as regras do seu jogo como desculpa para errar depois; fica em cima do muro, é morno e será regurgitado. Eca. Melhor dizer que desta água nunca beberá, mesmo que a sede termine ditando novas regras no futuro.
Se falar é prata e ouvir é ouro, o bronze vai para assumir o que foi dito. Mesmo que sem sustentação nas atitudes presentes. Penso. Logo, mudo de idéia. Matar a cobra e mostrar o pau, como se diz na minha terra.
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18 de fevereiro de 2010
festas da vida
Começa com o batizado. Você nem aí, só se manifestou porque jogaram água fria na sua cabeça - e, ironia, a festa era toda sua. OK, pode dormir, nos veremos nos aniversários com bolo e guaraná, muito doce pra você. Depois, nas quermesses escolares onde o vestiremos de caipira e pintaremos seus dentes com cajal preto.Nas festinhas de garagem, tum-tum, tum-tum, tum-tum. Meninos acuados de um lado, meninas aterrorizadas de outro. Love hurts, e o sofrimento desse ritual macabro de iniciação só vai passar quando você já estiver sentindo saudades do frio na barriga. Mas ainda falta algum tempo. As rosadas festas de quinze anos virão antes, com seus vestidos longos, gravatas divertidas e uma sensação iniciática de estar deixando de ser criança. Na verdade, aos quinze temos a firme certeza de já sermos adultos. O que nessa idade ainda ignoramos é que à medida que o tempo passa, vai ficando cada vez mais claro de que jamais deixaremos a infância e que esse negócio de crescer é uma tremenda enrolação: não acontece nunca.
Antes que você perceba, estará imundo e feliz. No período que acontece entre o banho de tintas do vestibular e a formatura, vem minha parte favorita. Baladas, saraus, botecos, jantares, gafieiras, micaretas e suas gentes bonitas, interessantes, divertidas, gente sóbria, gente ousada. Festejos para somente dois convidados. Festa estranha com gente esquisita. Passar o sábado à noite estudando também é uma chance de ver gente que se parece com você, desde que em grupos de estudos, preferencialmente mistos. É na mistura que acontece a graça, e fica ainda mais engraçado se alguém levar um Malbec.
Os sabores, aromas e texturas dos lugares só ganham sentido se somados às pessoas: viscerais, superficiais ou sensatas. Estão todos festejando, e quem não viu nada, perdeu. Quem viu, vai a despedidas de solteiro, chás de panela e, novidade, chás de lingerie. Casamento é coisa rara mas, caso você tenha decidido ficar na turma dos tradicionais, terá chance de testemunhar um tipo em extinção de festa, porque os noivados já eram - seus netos ainda vão lhe perguntar do que se trata.
Tão logo se acabem os chás de bebê, é chegada sua vez de retribuir o que lhe foi dado na tenra idade: lá vamos nós para os batizados. Desta vez, acordados. Era uma vez, nós lambuzados de brigadeiro e brincando de dança da cadeira. Agora corremos atrás das crianças, na tentativa de impedi-las de engolir a bala soft - quem diabos teve a ideia de servir bala soft em festa de criança?
Vovós (sim, suas amigas) farão oitenta anos em grande estilo e, com sorte, veremos algumas bodas. Que venham os velórios. Santé!
10 de fevereiro de 2010
o inverso
O noivo, rico príncipe da tribo Efik, diz que não poderia desposar uma mulher que não fosse excepcionalmente pesada, pois isso colocaria seu poder e riqueza em dúvida ante seus famintos súditos; a obesidade de sua futura esposa consiste em prova irrefutável de que ele pode alimentar os seus. Em um país onde milhares morrem de inanição, estar excessivamente nutrido é símbolo de status.
Um embate entre aparência e saúde faz com que você perceba qualquer semelhança com alguma história conhecida? Pois não é mera coincidência. Não concordo que o bem-estar seja sacrificado por causa de um padrão estético, e qual é a diferença entre Happiness, a obesa princesa nigeriana, e as nossas leves, anoréxicas e lipadas princesinhas - a capa da Playboy, a apresentadora do programa infantil, a musa da novela das oito, a socialite? É manjado, mas está no out door, no telejornal, nas produções de Hollywood e da Disney também. A mensagem é clara: se quiser entrar para o clube das belas, amadas e desejadas, quanto mais magra, melhor. Aí mulheres que até então eram saudáveis, vão parar na mesa de cirurgia por que julgam ser necessário parecer-se com quem quer que esteja nas capas das revistas do mês. Perseguindo uma beleza que não é a nossa, prejudicamos nossa saúde e passamos fome por que desejamos a perfeição.
Na Nigéria, quem tem o que comer também modifica seus hábitos alimentares e se empanturra pelo mesmo motivo: sentir-se bonita.
Para nós, discípulas da Barbie, a cena é idílica: você já abriu o primeiro botão da calça jeans após o rodízio de pizza, quando sente remorso pela quantidade que comeu. Então, sob os protestos das amigas, que juram que você está ótima, avisa: ah, meninas, estou de dieta, vou ter que comer mais um pedaço, não tem jeito. Garçom, traz um chá de boldo para ajudar a descer, por favor.
Tenho algumas amigas que, por motivos errados, estão querendo morar na África.
7 de janeiro de 2010
carta aos que ficaram
As coisas aqui na Terra da Garoa não estão saindo exatamente como planejei, mas também não há motivo para pânico - é nos imprevistos que acontecem as situações que depois entram nas biografias.
Antes de encaixotar a mudança eu havia decidido quais coisas seriam fáceis e quais coisas seriam difíceis na minha vida nova. Quando estava me mudando, fui avisada de que as frustrações são do tamanho das expectativas e, pouco depois de eu ter me estabelecido aqui, a amiga que deu esse conselho veio me visitar. Ao telefonar para avisar que estava embarcando, ela perguntou o que faríamos à noite. Respondi “vamos a um ‘churras’ na casa de uns amigos”. Ela respondeu um “ah” meio desanimado e eu fiquei pensando qual seria o problema. Mais tarde, entendi: talvez ela esperasse algum programa mais... paulistano.
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30 de janeiro de 2009
mais feliz
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29 de dezembro de 2008
crônica pascalina escrita no natal
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3 de dezembro de 2008
carta de despedida
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