11 de novembro de 2008

jogo para dois

Eles estão juntos há muito tempo. Passaram por uma séria crise há alguns anos: ele a traiu, estabeleceu uma rotina com a outra, se apaixonou. E ela percebeu, como é inevitável quando nossos amores não nos amam mais. Sofreu, gritou. O affair terminou. Conversaram muito e decidiram não jogar a longa relação fora. Mas eles têm dúvidas a respeito do motivo que realmente os manteve juntos - e acham melhor não alimentar esse pensamento, na esperança de que ele morra de fome. Começaram a namorar ainda adolescentes, sequer imaginam como é viver um sem o outro. E agora, acham que devem morar juntos. Procuram apartamento, assinam papéis, as duas famílias estão felizes. Data marcada, decorador escolhido. Esta parede não ficará ótima pintada de bege, querido?
Acontece que, por um brevíssimo instante, ele deu água àquela semente de dúvida.
Não se perdoa por ter sido tão desonesto no passado. Com ela, quando a enganou, e consigo, quando a culpa o impeliu a reatar. Fez e faz de conta que os motivos que o levaram a buscar alguém fora da relação foram fugazes. Que é passado. Magnificente, ela o perdoou. Ou decidiu que preferia ficar escondida na falsa segurança daquilo que lhe é familiar, talvez nunca saibamos. Mas eles sabem: que não querem seguir adiante, mas não sabem voltar atrás. O primeiro sente-se em dívida e o segundo sente medo. E nenhum dos dois tem a decência de libertar o outro para trilhar um caminho mais feliz.
Lembrei de um texto da Martha Medeiros: há algo de estranho em quem aceita ficar refém de tudo o que construiu. A parede? É, pinta de bege.
Poucas coisas são tão doloridas quanto a lenta agonia de um relacionamento. Aquela pessoa querida, por quem já nutrimos afeto sincero, a quem desejávamos apenas o melhor, segue nos ferindo de morte. De novo, de novo e de novo. Como quem vê uma bóia de salvação, nos agarramos àqueles momentos deliciosos do passado para justificar nossa permanência - ou nosso retorno - ao lado de alguém que tem tantas incertezas quanto nós.
Em contraponto, é proibido jogar a toalha por covardia ou desistir de lutar para contornar crises. Às vezes fica difícil, mas fica combinado que não é impossível. Certo também está aquele que cede um pouco aqui e compensa acolá. Quem, na intimidade, perdoa ofensas que, aos olhos do mundo, seriam passíveis de linchamento. Torcida a favor eleva o moral, mas o jogo é para dois. Dentro das quatro linhas é que as regras se estabelecem. Se der para perdoar, perdoe, vai. Mas parceria tem limite, e a fronteira se situa onde seu amor-próprio acende as luzes de emergência: isto não está me fazendo bem. Quando estamos esperando pelo momento mágico em que finalmente voltaremos a ser felizes, está na hora de fazer a mala.
Felicidade é como dieta: todo mundo sabe o que precisa fazer para alcançar seus objetivos, mas a maioria simplesmente não o faz - Shinyashiki está certo. É melhor empacotar as boas lembranças e levá-las embora consigo a, por medo de cruzar a linha, ficar esperando pelo dia em que os bons tempos darão as caras novamente. Poucos jogos são para um, e relacionamentos não se incluem aí. Se não tem fair play, a regra é clara: cartão vermelho.
Cartão bege não existe.