26 de fevereiro de 2010

mostra o pau!

Foi um papo de boteco. Amigos que gostam de barzinho e de retórica é uma combinação que resulta em horas ao redor da mesa do bar, debatendo tanto os mistérios mais misteriosos do universo quanto a novela das oito, como diria uma amiga minha. Outro dia, alguém saiu com essa: falar é prata, ouvir é ouro. “E omitir-se é bronze!”, outro completou. Conversa inflamada à vista - omissão leva medalha?
Você conheceu um cara que parece feito sob encomenda, de tão seu número que é. Ou talvez nem tanto assim, mas cairá como uma luva após alguns ajustes. Ô moça, aceita cartão? Então pode embrulhar, vou levar este aqui para casa. E você espalha o regalo sobre a cama, experimenta tudo de novo e, vendo como lhe cai bem, conclui que realmente fez boa compra. Mas, após algumas semanas de uso, descobre um defeito que não veio escrito na etiqueta. Não contei antes, o cara te diz, mas eu estou noivo.
Supondo sanidade mental, prefiro pensar que ninguém gostaria de se envolver com um homem comprometido. Politicamente correto? Sim, mas não só isso. Já falei sobre amantes uma vez,  são bastante patéticas. Homem casado, só se for meu marido. Mas aí você acabou de descobrir que o seu príncipe tem outra e que, na verdade, a outra é você. Suas amigas te dizem que "É uma cilada! Caia fora e não dê chance de apelação!", e você sabe que elas tem razão. Mas a verdade é que você está apaixonada e se perguntando "Como que é que vai ser agora?" Para quem está de fora, a resposta é óbvia. Quando você estava de fora, também era. Coisas do coração, a gente fica meio besta mesmo.
Ainda tem a mau-caratice de vocês dois. Sim, sua também. Agora que você sabe, é cúmplice. Logo você, que sempre foi tão boazinha, dizendo que nunca se meteria numa enrascada dessas. Markus Zusak falou de coisas que provam o quanto o ser humano é contraditório. Nas palavras dele, um punhado de bem, um punhado de mal. É só misturar com água. Talvez demore um pouquinho, mas se você for uma boa pessoa, vai acabar saindo dessa mistura nem um pouco fina.
Rabo preso, todo mundo tem. Se parássemos para pensar em quem somos nós para dizer alguma coisa, ninguém falaria mais nada. Claro que hipocrisia está por fora, mas somente a intencional. A verdade é que há momentos em que somos hipócritas sem querer, capturados em alguma armadilha que se escondia por trás das nossas melhores intenções. O nome disso é ironia. E era aqui que eu queria chegar: omissão não leva medalha, não.
Há quem esconda as regras do seu jogo como desculpa para errar depois; fica em cima do muro, é morno e será regurgitado. Eca. Melhor dizer que desta água nunca beberá, mesmo que a sede termine ditando novas regras no futuro.
Se falar é prata e ouvir é ouro, o bronze vai para assumir o que foi dito. Mesmo que sem sustentação nas atitudes presentes. Penso. Logo, mudo de idéia. Matar a cobra e mostrar o pau, como se diz na minha terra.

18 de fevereiro de 2010

festas da vida

Começa com o batizado. Você nem aí, só se manifestou porque jogaram água fria na sua cabeça - e, ironia, a festa era toda sua. OK, pode dormir, nos veremos nos aniversários com bolo e guaraná, muito doce pra você. Depois, nas quermesses escolares onde o vestiremos de caipira e pintaremos seus dentes com cajal preto.Nas festinhas de garagem, tum-tum, tum-tum, tum-tum. Meninos acuados de um lado, meninas aterrorizadas de outro. Love hurts, e o sofrimento desse ritual macabro de iniciação só vai passar quando você já estiver sentindo saudades do frio na barriga. Mas ainda falta algum tempo. As rosadas festas de quinze anos virão antes, com seus vestidos longos, gravatas divertidas e uma sensação iniciática de estar deixando de ser criança. Na verdade, aos quinze temos a firme certeza de já sermos adultos. O que nessa idade ainda ignoramos é que à medida que o tempo passa, vai ficando cada vez mais claro de que jamais deixaremos a infância e que esse negócio de crescer é uma tremenda enrolação: não acontece nunca.
Antes que você perceba, estará imundo e feliz. No período que acontece entre o banho de tintas do vestibular e a formatura, vem minha parte favorita. Baladas, saraus, botecos, jantares, gafieiras, micaretas e suas gentes bonitas, interessantes, divertidas, gente sóbria, gente ousada. Festejos para somente dois convidados. Festa estranha com gente esquisita. Passar o sábado à noite estudando também é uma chance de ver gente que se parece com você, desde que em grupos de estudos, preferencialmente mistos. É na mistura que acontece a graça, e fica ainda mais engraçado se alguém levar um Malbec.
Os sabores, aromas e texturas dos lugares só ganham sentido se somados às pessoas: viscerais, superficiais ou sensatas. Estão todos festejando, e quem não viu nada, perdeu. Quem viu, vai a despedidas de solteiro, chás de panela e, novidade, chás de lingerie. Casamento é coisa rara mas, caso você tenha decidido ficar na turma dos tradicionais, terá chance de testemunhar um tipo em extinção de festa, porque os noivados já eram - seus netos ainda vão lhe perguntar do que se trata.
Tão logo se acabem os chás de bebê, é chegada sua vez de retribuir o que lhe foi dado na tenra idade: lá vamos nós para os batizados. Desta vez, acordados. Era uma vez, nós lambuzados de brigadeiro e brincando de dança da cadeira. Agora corremos atrás das crianças, na tentativa de impedi-las de engolir a bala soft - quem diabos teve a ideia de servir bala soft em festa de criança?
Vovós (sim, suas amigas) farão oitenta anos em grande estilo e, com sorte, veremos algumas bodas. Que venham os velórios. Santé!

10 de fevereiro de 2010

o inverso

Deu no Terra: Happiness, uma nigeriana às voltas com os preparativos de seu casamento, incluiu em sua agenda um programão de dar inveja em qualquer um: passar seis meses freqüentando um spa, preparando-se para o enlace. Quem pode, deve cuidar de si - mente e corpo. Até aí, nada nos surpreenderia, não fosse o verdadeiro motivo que a levou a procurar serviço especializado. Relaxar? Emagrecer? Nada disso, engordar. E muito. Várias pessoas fazem isso, seja por recomendação médica, seja por senso estético. O curioso é que ela não está magra demais e, tendo a saúde em dia, está sobretudo contrariando seu médico: a despeito dos grandes riscos de sofrer um enfarto, prejudicar a circulação e tantos outros males, Happiness deseja tornar-se obesa.
O noivo, rico príncipe da tribo Efik, diz que não poderia desposar uma mulher que não fosse excepcionalmente pesada, pois isso colocaria seu poder e riqueza em dúvida ante seus famintos súditos; a obesidade de sua futura esposa consiste em prova irrefutável de que ele pode alimentar os seus. Em um país onde milhares morrem de inanição, estar excessivamente nutrido é símbolo de status.
Um embate entre aparência e saúde faz com que você perceba qualquer semelhança com alguma história conhecida? Pois não é mera coincidência. Não concordo que o bem-estar seja sacrificado por causa de um padrão estético, e qual é a diferença entre Happiness, a obesa princesa nigeriana, e as nossas leves, anoréxicas e lipadas princesinhas - a capa da Playboy, a apresentadora do programa infantil, a musa da novela das oito, a socialite? É manjado, mas está no out door, no telejornal, nas produções de Hollywood e da Disney também. A mensagem é clara: se quiser entrar para o clube das belas, amadas e desejadas, quanto mais magra, melhor. Aí mulheres que até então eram saudáveis, vão parar na mesa de cirurgia por que julgam ser necessário parecer-se com quem quer que esteja nas capas das revistas do mês. Perseguindo uma beleza que não é a nossa, prejudicamos nossa saúde e passamos fome por que desejamos a perfeição.
Na Nigéria, quem tem o que comer também modifica seus hábitos alimentares e se empanturra pelo mesmo motivo: sentir-se bonita.
Para nós, discípulas da Barbie, a cena é idílica: você já abriu o primeiro botão da calça jeans após o rodízio de pizza, quando sente remorso pela quantidade que comeu. Então, sob os protestos das amigas, que juram que você está ótima, avisa: ah, meninas, estou de dieta, vou ter que comer mais um pedaço, não tem jeito. Garçom, traz um chá de boldo para ajudar a descer, por favor.
Tenho algumas amigas que, por motivos errados, estão querendo morar na África.